-

29 de novembro de 2012

Lei do Boi, 44 anos, uma perspectiva sociológica

  • Transcrevo a seguir, com o título acima, interessante artigo de Dijaci David de Oliveira, doutor em Sociologia e professor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás (UFG), que trata de assunto ainda muito polêmico no Brasil:

A instituição de sistema de cotas na última década tem produzido fortes debates. Mas isso nem sempre foi assim. Neste ano, uma das primeiras leis instituindo cotas na educação pública brasileira completa 44 anos. Trata-se da Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, mais conhecida como a “Lei do boi”. 

De forma mais abrangente a lei assegurava reserva de vagas tanto no ensino médio quanto em instituições superiores. Ainda, conforme a lei, 50% das vagas nos estabelecimentos de ensino médio agrícola e nas escolas superiores de agricultura e veterinária mantidos pela União ficariam disponíveis para atender às demandas de formação específica para alguns segmentos sociais. 

Embora afirmasse que as vagas se destinavam para os filhos de proprietários e não proprietários rurais, ninguém precisa ser um especialista em sociologia rural para saber que os beneficiários da lei foram apenas os filhos da elite rural. A razão é muito simples. Se, ainda hoje, a agricultura de subsistência demanda o trabalho de todos os membros da família, pais e filhos, para garantir sua sobrevivência, há quatro décadas a situação não era melhor. 

A Lei do boi foi revogada em 1985, portanto, 17 anos após a sua criação. Todavia existem boas razões para questioná-la. A primeira é que a Lei do boi, ao desconsiderar as condições sociais dos filhos dos camponeses, atendia apenas aos filhos da elite rural. Segundo, se propunha ao estabelecer uma política permanente, ou seja, sem previsão de término. 

Muito diferente das proposições atuais, a Lei do boi não atendia aos princípios de justiça reparatória e de busca de equidade. Isso porque não se propunha a eliminar distorções sociais que ainda hoje condenam gerações inteiras de famílias a nascerem e morrerem nos gradientes mais baixos da hierarquia social. 

Como a Lei do boi atendia aos interesses da elite rural, o questionamento foi infinitamente menor. Sua legalidade só foi objeto de debate após anos de existência e só caiu porque se reconheceu que os filhos de camponeses não eram beneficiados. Portanto, apenas reproduzia e reforçava a desigualdade social. 

As leis atuais, muito diferentes da Lei do boi, pretendem reduzir as fortes distorções que vêm sendo perpetuadas ao longo de séculos. Negros libertos não tiveram acesso a educação pública, moradia nem trabalho assalariado. Mesmo os brasileiros só ganharam status de cidadãos no governo de Getúlio Vargas, porque os países europeus proibiram a saída de migrantes devido à escassez de mão de obra produzida pelas duas Guerras Mundiais. 

Apesar do histórico da desigualdade brasileira, muitos ainda tentam nos convencer de que é preciso “esperar” a melhoria da escola pública. Contudo essa promessa vem de longa data. Aliás, muito semelhante à ideia de “esperar o bolo crescer, para depois repartir”. Diante de promessas de cumprimento improvável, seguramente é melhor apostar em uma proposição concreta de implantação de uma política de cotas, para que daqui a dez anos não precisemos mais dela, e cobrar ao mesmo tempo uma política sistemática de melhoria real da escola pública. Sem isso, ano após ano, a desigualdade nos perseguirá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não saia do Blog sem deixar seu comentário